14/12/2015

Notícias da Califórnia
Ah que maravilha voltar ao Brasil, depois de uma temporada fora. Acabam as saudades da paisagem linda do Ceará, eis diante da minha janela os verdes mares, os coqueiros, as jangadas e velas de kitesurf, as buganvílias explodindo em coral, o horizonte que arrasta nossos olhos. E nos liberta a alma. Eis o canto do sabiá nas palmeiras, os gritos dos sebites em algum relógio de pássaros, eis os amigos carinhosos e engraçados, eis as risadas, o arroz com feijão, a música, eis a língua portuguesa! Eis Fortaleza em sua magia, o conforto da brisa num dia de verão como todos os dias. Eis meus livros, minha cadeira, meu travesseiro, as minhas roupas leves e sandálias rasteiras, o trabalho, eis o meu dia a dia!

Mas também é duro voltar ao Brasil, depois de uma temporada numa cidade que é cuidada como uma joia, tanto por moradores como por administradores. Na frente da casa onde eu estava hospedada fica uma pequena rotatória no meio da rua, e toda semana vai ali um carrinho da prefeitura para verificar as plantas, pintar o meio-fio e consertar a calçada se preciso... Eu via pela janela. No dia certo, na hora certa, lá estavam eles, olhando, matutando, arrumando. Uma simples pequena rotatória! Além do mais, é a cidade onde moram meus netos.

Assim, tudo aqui fica mais chocante, desde o lixo nas ruas, as trapaças na política, a corrupção em português e o impeachment em inglês, o corte de árvores, os assaltos, assassinatos de jovens, os privilégios distribuídos, até o atendente de callcenter que não consegue entender o que você diz ou na loja o vendedor que ilude e o funcionário público que humilha ou o conserto que não conserta. A sensação é de que não há como ir, não há como voltar, nem há como ficar parado e muito menos em paz. Tudo parece desesperança, tudo sufoca, eis o país que o amigo Dieter, alemão com trinta anos “de praia”, vê com tanta claridade: um paraíso tropical num inferno social. O mais duro aqui, no entanto, são as saudades dos netos que ficaram na Califórnia.

Trago notícias da Califórnia. A mais curiosa delas é um plano da prefeitura para a reforma de jardins. Em Santa Monica, onde vivem meus netos, quase todos moram numa casa com jardim na frente, e cada mercado, hospital, escola, cada prédio público tem seu jardim ornamental. A prefeitura cobre até o valor de quatro mil dólares para uma reforma de jardim que o transforme num jardim seco, ou seja, um jardim sem regas diárias. A paisagem está mudando, por economia de água. Aqui e ali vão aparecendo novos jardins, com cascalho, serragem, pedras, cactos, suculentas as mais variadas e até coloridas ou gigantes. São jardins bonitos, e com mais um tipo de beleza, a da consciência leve. Nos jardins pagos pela prefeitura, uma plaquinha: Eu amo Santa Monica. Voltei com vontade de reformar o meu jardim, que bebe mais água do que dez mil passarinhos. Os açudes secando, as torneiras abertas...

Santa Monica foi decretada Cidade Verde, há alguns anos. Então, esse lema guia toda a administração da cidade: se for algum passo que favorece o meio ambiente, como plantio de árvores, novas praças, faixas exclusivas para bicicletas, para carros com dois ou mais passageiros, coleta de lixo seletiva, postes com luz de energia solar, educação ambiental nas escolas, reuso de água, contêineres nas ruas para recolhimento de componentes eletrônicos sem uso ou roupas para doação, e carros elétricos, energias não poluentes, essas coisas assim, o projeto é posto em prática. Isso está mudando a cidade, pouco a pouco.

Nossa cidade também está mudando. Fico feliz de ver Fortaleza cheia de livrarias, produtos orgânicos, faixas exclusivas, ciclo-faixas e ciclovias, bicicletários e gente pedalando, praças adotadas, reformadas, a notícia boa de ruas só para pedestres que nas caminhadas aos domingos vão aprendendo a tomar posse da cidade. Um terreno baldio virou um parque verde para iguanas, borboletas, mandacarus e crianças, os moradores tiraram o lixo e cuidam do lugar. Uma praça que era de meretrizes e traficantes agora é de encontro familiar, chorinho e feijoada. Mas o caos da cidade ainda incomoda, a violência ainda assusta, o abandono ainda espanta.

Fora tudo isso, estou feliz. Nada como voltar ao Brasil, a minha terra, ao Ceará onde nasci, onde vivo. A vontade é de abrir os braços no meio da rua e bradar:
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores!