07/02/2016

How do you do, Banabuiú?
Eu sou seresteiro

Poeta e cantor

O meu tempo inteiro
Só zombo do amor...


Ah, hoje é Carnaval, quero sair por aí de braço dado com o Chico Buarque, na noite dos mascarados pela avenida da Abolição, cantando e dançando, e ver os maracatus na Domingos Olímpio, de braço dado com Chico Buarque. Ele vai gostar, sim, porque ele gosta de mim – e de todas as mulheres – ele me entende, gosta de maracatu, e gosta do Ceará. O Chico sempre teve uma queda pelo Ceará.


Claro, ele ama o Rio, e mesmo ainda rapazinho morando em São Paulo as suas canções se passavam no Rio. O Rio é soberano na geografia do Chico, que nasceu batuqueiro no Rio de Janeiro. Mesmo quando ele não está falando de mares, sambas, Carnaval, alas e mestres-salas, feijoada completa, cavaquinhos e chorinhos, mulatas, marinheiros e cais do porto, trem da Central, mesmo quando não está falando na falsa vida da avenida, no futebol, Tricolor, Mengo, nas escolas de samba, Portela e Mangueira, no Pão de Açúcar, no Jardim de Alá onde eu morei e estudei inglês, ou na rua Nascimento Silva 107, casa do Tom Jobim, sentimos que as músicas do Chico se passam no Rio de Janeiro. Borel, Tijuca, rua Frei Caneca, Lapa, Carioca, Recreio, Estação da Glória, Praça Mauá, Copacabana, Ramos, Bangu, Mangue... Ele percorre a cidade, bairro em bairro, bar em bar, cigarro em cigarro. Mas, a Lua encabulada no céu de repente vai minguando, numa nuvem se ocultando, volta para os sertões, e cá está a geografia de Chico pisando no Ceará.


Com avencas na caatinga e alecrins no canavial, ele fala do Ceará pela primeira vez em 1978, na música Até o fim: “Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso Em Quixeramobim/ Não sei como o maracatu começou/ Mas vou até o fim”. Tem uma queda danada por Quixeramobim, mas que poeta não tem, por uma palavra assim? Diriam os incrédulos: foi só para rimar com querubim, boletim, clarim, bandolim, chinfrim, capim, ruim e festim, mas ele poderia ter usado jardim, jasmim, curumim, Senhor do Bonfim... Em Bye-bye, Brasil ele diz que em março vem pro Ceará encontrar bauxita. Em Hollywood ele fala de Banabuiú, cidade no sertão de Quixeramobim. Será que ele andou por lá. Será que viajou por nossas estradas, anotando nomes de cidades sertanejas?


A violeira que ele criou com o Tom Jobim acho que nasceu no Crato, e sabe, caprichosa e nordestina, que sua sina é ir morar no Rio. No Araripe ela topa com o chofer de um jipe, o velho cargueiro em que ela viaja encalha no Ceará e ela volta pro Crato, vai fazer artesanato de barro bom e barato, pra mó de economizar, até que ela segue de novo pro Rio, e depois de aventuras tantas, de perder os filhos em Fernando de Noronha, ela volta cheia de vergonha pro sertão de Quixadá. Depois, em 1985, Chico faz com nosso Fausto Nilo a música Paroara, e todos aqui sabemos o que é paroara e quem eram os paroaras nos paus-de-arara indo pra Amazônia. Em Baticum, seguindo, “Veio o Barão de lá do Ceará”... para rimar com um avião que veio do Canadá, diria o cético.


Porém, a mais cearense de todas as músicas de Chico é Iracema. Iracema voa para a América, isso é uma citação ao José de Alencar, que criou, talvez sem perceber, o anagrama, usando as mesmas letras de América para inventar o nome de sua personagem de lábios de mel e cabelos mais negros do que as asas da graúna. Iracema tem saudade do Ceará, mas não muita, diz a música.


A geografia de Chico vai também a Portugal, a Trás-os-Montes, ao rio Amazonas e a uma pororoca que desagua no Tejo, quando o Brasil vai se tornar um império colonial; fala em francês, tu as le tropique dans le sang et sur la peau, vai a Atenas apoiar as grevistas de sexo, vai a Minas debulhar o trigo e forjar o milagre do pão, vai às ilhas de amor nas Antilhas, fala de um doutor formado em Salvador, um garçom em Salvador, lua de mel em Salvador, fala de uma excursão ao Japão com um pianista; a morena é de Angola, a Ana é de Amsterdã... o irmão é alemão, o livro é em Budapeste. Porto Rico, Manágua, Maranhão, fala na palmeira e no sabiá de Gonçalves Dias, na bodeguita, no general da banda dançando samba em Berlim, em Martinica, Mar Del Plata. De nenhum lugar, fora o Rio, fala tantas vezes quanto fala do Ceará. Inquestionável paixão.


Bem, Chico também tem uma queda por bandas e janelas, todavia estas são outras histórias que ele vai me contar, de braço dado, na Abolição. Mas é Carnaval, não me diga mais quem é você, amanhã tudo volta ao normal, deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar!